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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

PODER E SUAS LINHAS



A expressão “poderes” pode ser utilizada em vários sentidos diferentes no Direito, sendo mais comum a sua utilização para designar as funções estatais básicas, ou seja, o Poder Executivo, o Poder Legislativo e o Poder Judiciário.
Entretanto, o vocábulo “poderes” também é utilizado para designar as prerrogativas asseguradas aos agentes públicos com o objetivo de se garantir a satisfação dos interesses coletivos, fim último do Estado.
O Professor José dos Santos Carvalho Filho conceitua os poderes administrativos como “o conjunto de prerrogativas de Direito Público que a ordem jurídica confere aos agentes administrativos para o fim de permitir que o Estado alcance seus fins”.
Essas prerrogativas decorrem do denominado regime jurídico-administrativo e asseguram aos agentes públicos uma posição de superioridade nas relações jurídicas com os particulares, condição necessária para que possam ser superados os obstáculos encontrados no exercício das atividades finalísticas exercidas pela Administração.
Os poderes assegurados aos agentes públicos não podem ser considerados “privilégios”, mas, sim, deveres. Não devem ser encarados como mera faculdade, mas, sim, como uma “obrigação legal” de atuação sempre que o interesse coletivo exigir.
O interesse público é indisponível e, caso seja necessário que o administrador se valha de tais poderes para cumprir a sua função, deverá exercê-los, haja vista que os poderes administrativos constituem verdadeiros poderes-deveres (fique atento para esta expressão, pois é muito comum em provas).

 ABUSO DE PODER
Nas palavras do professor Hely Lopes Meirelles, o abuso de poder “ocorre quando a autoridade, embora competente para agir, ultrapassa os limites de suas atribuições ou se desvia das finalidades administrativas”.
O abuso de poder configura-se por uma conduta praticada pelo agente público em desconformidade com a lei e pode se apresentar sob três formas diferentes:
1ª) quando o agente público ultrapassa os limites da competência que lhe foi outorgada pela lei (excesso de poder);
2ª) quando o agente público exerce a competência nos estritos limites legais, mas para atingir finalidade diferente daquela prevista em lei (desvio de poder ou desvio de finalidade);
3ª) pela omissão.
Sendo assim, deve ficar bem claro que a expressão “abuso de poder” corresponde a um gênero do qual se extraem duas espécies básicas: excesso de poder ou desvio de finalidade (ou desvio de poder).

 EXCESSO DE PODER
No excesso de poder, o agente público atua além dos limites legais de sua competência, ou, o que é mais grave, atua sem sequer possuir competência legal. O ato praticado com excesso de poder é eivado de grave ilegalidade, pois contém vício em um de seus requisitos essenciais: a competência.
Exemplo: imagine que a lei “x” considere competente o agente público para, no exercício do poder de polícia, aplicar multa ao particular entre o valor de R$ 1.000,00 (mil reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), proporcionalmente à gravidade da infração administrativa cometida.
Todavia, imagine agora que o agente público tenha aplicado uma multa de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) ao particular, pois entendeu que a infração cometida era gravíssima, sem precedentes.
Pergunta: o agente público agiu dentro dos limites da lei ao aplicar uma multa de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) ao particular infrator?
É claro que não! Está evidente que o agente público somente poderia ter aplicado multa no valor de até R$ 100.000,00 e, sendo assim, extrapolou os limites da lei ao aplicar multa de valor superior, praticando uma das espécies de abuso de poder: o excesso de poder.
 DESVIO DE PODER OU FINALIDADE
Nos termos da alínea “e”, parágrafo único, artigo 2º, da Lei nº 4.717/65 (Lei de Ação Popular), o desvio de poder ou finalidade ocorre quando “o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência”.
No desvio de poder ou finalidade, a autoridade atua dentro dos limites da sua competência, mas o ato não alcança o interesse público inicialmente desejado pela lei. Trata-se de ato manifestamente contrário à lei, mas que tem a “aparência” de ato legal, pois geralmente o vício não é notório, não é evidente.
O desvio de poder ocorre tanto em relação à finalidade em sentido amplo, presente em qualquer ato administrativo e caracterizada pela satisfação do interesse coletivo, como em relação à finalidade em sentido estrito, que impõe um fim específico para a edição do ato.
No primeiro caso, em vez de o ato ser editado para satisfazer o interesse coletivo, restringe-se a satisfazer o interesse particular do agente público ou, o que é pior, o interesse de terceiros.
Exemplo: imaginemos que, após regular processo administrativo, uma autoridade pública tenha aplicado a um subordinado a penalidade de suspensão por 20 (vinte) dias em virtude da suposta prática de infração funcional.
Nesse caso, se a penalidade foi aplicada com o objetivo de se garantir a eficiência e a disciplina administrativas, significa que o interesse coletivo foi alcançado. Entretanto, se a penalidade foi aplicada ao servidor em razão de vingança, por ser um desafeto do chefe, ocorreu então um desvio de finalidade, pois o ato foi editado para satisfazer o sentimento particular de vingança do chefe e, por isso, deve ser anulado.
Além de ser editado para satisfazer interesses particulares, o que o torna manifestamente ilegal, o ato ainda pode ser editado indevidamente com objetivo de satisfazer fim diverso do previsto na lei, também caracterizando desvio de finalidade.
Exemplo: Imagine que uma determinada autoridade administrativa, não mais satisfeita com a desídia, ineficiência e falta de produtividade do servidor “X”, decida removê-lo “ex officio” (no interesse da Administração) da cidade de Montes Claros/MG (terra boa ...) para a cidade de Rio Branco/AC com o objetivo de puni-lo.
Bem, apesar de toda a desídia, ineficiência e falta de produtividade do servidor, este não poderia ter sido “punido” com a remoção ex officio para o Estado do Acre. A remoção não é uma espécie de penalidade que pode ser aplicada a servidor faltoso, mas, sim, um meio de que dispõe a Administração para suprir a carência de servidores em determinadas localidades.
Desse modo, como a remoção foi utilizada com fim diverso (punição) daquele para a qual foi criada (suprir a carência de servidores), deverá ser anulada pela própria Administração ou pelo Poder Judiciário, por caracterizar desvio de finalidade.
Destaca-se que, no excesso de poder, ocorre a violação do requisito “competência” do ato administrativo, enquanto no desvio de finalidade a violação restringe-se ao elemento “finalidade”.
ABUSO DE PODER POR OMISSÃO
A omissão de agentes públicos também pode caracterizar o abuso de poder. Entretanto, é necessário distinguir a omissão genérica da omissão específica do agente público.
No primeiro caso, não é possível configurar abuso de poder, porque a omissão está relacionada ao momento mais oportuno para a implementação das políticas públicas, que não possuem prazo determinado. Por outro lado, na omissão específica, a Administração Pública tem o dever de agir em razão de um caso em concreto, podendo a lei prever, ou não, o prazo para a prática do ato, que deve ser razoável.
A omissão específica caracteriza abuso de poder porque a Administração Pública estaria legalmente obrigada a agir diante de um caso em concreto, porém, omite-se.
Não se trata da prática de um ato administrativo, mas, sim, da ausência de manifestação de vontade do agente público que está obrigado a agir. 
* Essa aula foi ministrada pelo Professor Fabiano Pereira, do Ponto dos Concursos.

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