HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL
1. HISTÓRICO
No sentido clássico, interpretar é revelar o sentido e fixar o alcance da norma jurídica. A hermenêutica irá fornecer os elementos a serem utilizados na interpretação. Assim, interpretação e hermenêutica não são termos sinônimos.
As primeiras constituições escritas surgiram durante o constitucionalismo clássico, no final do século XVIII. Surgiu nessa época o Estado de Direito (liberal), assim como a interpretação constitucional.
Nesse período, a hermenêutica era uma atividade mecânica, apenas literal. Afirmava-se que o Juiz era mera “boca da lei”. Para se ter uma idéia, não se admitia que o Juiz aplica-se diretamente a Constituição, mas apenas as leis.
Em 1918, surgiu o constitucionalismo social, em que aparecem os direitos do 2ª geração, assim como uma transformação do Estado Liberal para Estado social. Passa, então, a intervir nas relações sociais. Essa postura de incremento reflete-se também no Poder Judiciário. A atividade hermenêutica, então, passa a ser mais complexa, inclusive, com o uso dos elementos desenvolvidos por Savigny.
2. MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL
Os métodos de Savigny não eram suficientes. Surge, então, a necessidade de se instituir outros métodos. Contribuíram para o surgimento os seguintes fatores:
- O fato de a Constituição ser composta, sobretudo, por princípios na parte dos direitos fundamentais.
- Superioridade hierárquica da Constituição.
- Diversidade de objeto e de eficácia das normas constitucionais.
- Ideologia ou pré-compreensão do intérprete.
Segundo Canotilho, os métodos são complementares, ou seja, um irá complementar o outro.
Os métodos são os seguintes:
1º HERMENEUTICO CLÁSSICO ou JURÍDICO (Alemão - Ernest Forsthoff).
Parte da chamada tese da identidade entre lei e constituição. A constituição é uma lei como as demais, logo pode ser interpretada pelos mesmos elementos tradicionais de interpretação desenvolvidos por Savigny: o gramatical, lógico, histórico e sistemático.
A principal crítica feita a esse método é que os elementos de interpretação de Savigny foram desenvolvidos exclusivamente para o direito privado, razão pela qual seriam insuficientes para a interpretação da Constituição.
2º CIENTÍFICO ESPIRITUAL (Pudolf Smeno).
O termo espiritual está associado ao espírito da Constituição, ou seja, aos valores consagrados no texto constitucional, subjacentes ao texto constitucional.
Alguns autores o chamam de MÉTODO VALORATIVO.
Para esse método o preâmbulo da CF tem importante valor espiritual. Eis o seu conteúdo:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
Outros o chamam de MÉTODO INTEGRATIVO: a Constituição é o mais importante elemento de integração comunitária, razão pela qual deve ser interpretada como um todo.
OBS: O método em estudo pode ser associado ao método sistemático de Savigny.
Esse método leva em consideração os valores extraconstitucionais, ou seja, aqueles que estão fora do texto da Constituição, v. g. a realidade social. Por isso, ainda leva o nome de MÉTODO SOCIOLÓGICO.
A crítica feita por Canotilho a esse método é a de que a sua utilização pode levar a uma indeterminação e mutabilidade dos resultados, diante da variedade de realidades existentes.
3º TÓPICO – PROBLEMÁTICO (Theodor Viehweg).
Na década de 50 predominava ainda o positivismo e esse método surgiu como uma reação ao mesmo (anti-positivista). É um método concretista.
“Topos”: é um esquema de pensamento, de raciocínio, de argumentação, pontos de vista, lugares comuns. Exemplo disso é a premissa de que as exceções devem ser interpretadas restritivamente. São extraídos da doutrina dominante, jurisprudência pacífica ou do senso comum.
“Problema”: utilizado diante de um problema concreto a ser resolvido. Problema concreto são aqueles casos difíceis, ou seja, casos em que se tem mais de uma resposta. É também chamado de MÉTODO ARGUMENTATIVO, porque a partir do problema são desenvolvidos os argumentos favoráveis e contrários para a solução do problema. A norma jurídica é considerada mais um argumento. O método tópico-problemático não serve para a escolha do argumento correto, mas sim aquele mais aceito diante dos pensamentos examinados.
Críticas:
1ª análise superficial da jurisprudência.
2ª sua utilização pode conduzir a um casuísmo ilimitado, pois se a norma é mais um argumento, pode levar a um casuísmo.
3ª a interpretação deve partir da norma para a solução do problema, e não o inverso como é o caso do método em estudo.
Utilidade desse método: quando há uma lacuna no direito.
4º MÉTODO HERMENÊUTICO-CONCRETIZADOR (KONRAD HESSE).
Concretização é a aplicação da norma ao caso concreto. Neste método há uma primazia da norma sobre o problema.Segundo esse método interpretação e aplicação constituem um processo unitário. Só interpreta para aplicar e só aplica se antes interpretar.
Segundo o autor desse método ele teria três elementos básicos:
1º norma a ser interpretada.
2º problema concreto a ser resolvido.
3º compreensão prévia do intérprete. Não em qualquer pessoa que pode interpretar a norma. Somente aquele que tem um conhecimento prévio de teoria da constituição é que pode interpretar a norma. Logo, o circulo de interprete da Constituição não é aberto.
5º MÉTODO NORMATIVO-ESTRUTURANTE (Friedrich Müller)
Estabelece uma estrutura para a concretização da norma constitucional. A norma é resultante da conjugação do texto da norma (programa normativo) com a realidade social (domínio normativo).
Norma # texto da norma: a norma é a proibição e o texto é somente a exteriorização da norma.
Elementos:
- Dogmáticos: como a doutrina e a jurisprudência.
- Teóricos: são fornecidos pela teoria da constituição.
- Metodológicos: elementos clássicos do Savigny e os princípios instrumentais (de interpretação).
- Política Constitucional: estão ligados às consequências da decisão. É uma análise das consequências da decisão (política, econômica etc). O juiz deve valorar os custos da decisão (pragmatismo).
Críticas:
1ª enfraquecimento da força normativa e quebra da unidade da Constituição.
6º MÉTODO CONCRETISTA DA CONSTITUIÇÃO ABERTA (alemão Peter Häberle).
“Sociedade aberta de intérpretes”. A interpretação não deve ser fechada a um ciclo de intérprete. Para ele todo aquele que vive a Constituição deve ser considerado um legítimo intérprete. As normas da Constituição dirigem-se não só aos Poderes Públicos, mas também a sociedade, logo todo o indivíduo e classes dele devem interpretá-la. Tais pessoas seriam, na verdade, pré-intérpretes; a interpretação definitiva será dada pela Corte Constitucional.
OBS: Duas previsões na Lei da ADI e ADC representam bem exemplos desse método:
- Amicus Curiae.
- Audiências públicas.
Tais previsões conferem legitimidade democrática às decisões do STF.
Para Peter Häberle a democracia não deve estar presente não só no momento anterior à elaboração da constituição, mas também em sua interpretação.
4.2 Extensão da Interpretação Constitucional.
Posturas:
1ª INTERPRETATIVISMO
Premissas básicas:
a) Respeito absoluto ao texto (textualismo) à vontade do constituinte originário (originalismo ou preservacionismo).
b) Os juízes devem apenas aplicar a Constituição, e não modificá-la.
c) Existe apenas uma única resposta correta.
2ª NÃO INTERPRETATIVISMO
Premissas básicas:
a) Cada geração tem o direito de viver a constituição ao seu modo.
b) Os tribunais tem o dever de desenvolver e evoluir o texto constitucional.
4.3 Princípios Instrumentais ou Postulados Informativos ou Princípios Hermenêuticos.
- Postulado Normativo: Para Humberto Ávila são metas-normas que estabelecem um dever de segundo grau consistente em prescrever a estrutura de aplicação de outras normas e modos de raciocínio e argumentação em relação a eles.
- Regras: são mandamentos de definição, ou seja, normas que devem ser aplicadas na medida exata de suas prescrições. As regras obedecem à lógica do tudo ou nada (RONALD DWORKIN). A definição tradicional de regra é: são normas imediatamente descritivas de comportamento devidos ou atributivas de poder.
- Princípios: No pós-positivismo as normas são gênero e regra e princípios são espécies dela. Princípios são mandamentos de otimização (ou maximização), ou seja, normas que estabelecem que algo seja cumprido na maior medida possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas existentes (ROBERT ALEXY). Princípios materiais são aqueles que aplicam direitos em si mesmo. Princípios instrumentais são aqueles que servem para interpretar normas, princípios materiais.
Vejamos os Princípios Instrumentais:
- PRINCÍPIOS INSTRUMENTAIS DE INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
1º Princípio da Interpretação Conforme a Constituição: Parte da ideia de supremacia da Constituição. Só pode ser realizada quando a norma for polissêmica ou plurissignificativa (mais de um significado). O dispositivo da decisão ficaria da seguinte forma: “a norma X é constitucional, desde que interpretada da maneira A”.
Limites a interpretação conforme:
a) Clareza do texto legal. Não há como fazer uma interpretação conforme.
b) Vontade do legislador. O juiz não pode substituir a vontade do legislador pela sua vontade.
O STF declara a Declaração de Nulidade sem Redução de Texto como equivalente à interpretação conforme. Na declaração de nulidade o dispositivo da decisão é: “a norma X é inconstitucional se interpretada da forma A”. O STF entende que no controle difuso só é cabível a interpretação conforme. Não admite a declaração de nulidade sem redução de texto. Esta somente é possível no controle concentrado.
2º Princípio da Presunção de Constitucionalidade das Leis: Se as leis retiram seu fundamento na Constituição, presume-se que são constitucionais (presunção relativa – juris tantum). Na dúvida a lei deverá ser declarada constitucional.
- PRINCÍPIOS INSTRUMENTAIS DE INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
1º Princípio da Unidade : especificação da interpretação sistemática. Na interpretação constitucional o intérprete deve fazer a harmonização das tensões e contradições entre suas normas. Esse princípio afasta a tese da hierarquia das normas constitucionais de Otho Bachof.
2º Princípio do efeito Integrador : especificação da interpretação sistemática. Nas resoluções de problemas jurídico-constitucionais deve ser dada primazia aos critérios que favoreçam a integração política e social.
3º Princípio da Concordância Prática ou Harmonização : utilizado quando há um conflito entre normas constitucionais. Não é utilizado em abstrato, e sim nos caso concreto (colisões de direitos). Ex.: o direito à privacidade e a liberdade à informação, em abstrato não há colisão. Já no caso concreto tal pode ocorrer. Na hipótese de colisão entre bens jurídicos o intérprete deve fazer a redução proporcional do âmbito de atuação de cada um deles.
COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA: a causa começa e é julgada perante determinado órgão jurisdicional. Normalmente é dos juízos de 1º grau, embora seja possível, excepcionalmente, ser de um tribunal, v. g., ação rescisória de sentença.
COMPETÊNCIA DERIVADA: é aquela para julgar recurso. Normalmente é de um tribunal, em borá seja possível vislumbrar, excepcionalmente, competência recursal de juízo de 1º grau, v. g., recurso previsto no art. 34 da Lei de Execução Fiscal. Neste caso, o próprio juiz que decidiu é quem julga o recurso.
PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE
Não existe princípio absoluto, todo princípio deve ser considerado relativo, pois todos encontram limites em outros princípios consagrados na CRFB.
Permite a cedência recíproca entre os princípios. Permite que um princípio possa ceder diante de uma colisão com outro. Alguns autores sustentam que o princípio da dignidade humana seria um princípio absoluto.
Só há liberdade onde existe restrição de liberdade.
FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO
Atuação importante na jurisprudência brasileira. Konrad Hesse escreveu um livro sobre a força normativa na Constituição, o qual foi traduzido por Gilmar Mendes.
Na interpretação constitucional deve ser dada preferência a soluções que tornem suas normas mais eficazes e permanentes.
Tem sido muito importante para afastar interpretações divergentes da CRFB.
Súmula nº 343 do STF “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”.
Referida súmula não foi cancelada. Todavia não é plicada na interpretação constitucional. Só se aplica quando houver divergência de matéria de lei, não se aplica em matéria constitucional.
“Distinguishing” - Consiste no afastamento de um precedente em virtude de uma circunstância especial, que difere aquela hipótese das outras que o originaram.
“Overruling”
PRINCÍPIO DA MÁXIMA EFETIVIDADE
Eficácia – consiste na aptidão da norma para produzir os efeitos que lhe são próprios. Pode ser:
- Positiva – aptidão para ser aplicada aos casos concretos, sem condições para aplicação.
- Negativa – é a aptidão para invalidar normas que lhe são contrárias. Toda norma constitucional possui eficácia negativa, agora, nem todas possui eficácia positiva.
Já a efetividade – é a produção concreta de seus efeitos. É quando a norma cumpre a sua função social.
Na interpretação dos direitos fundamentais deve ser atribuído o sentido que confira a maior eficácia social possível, para que cumpram sua finalidade.
A eficácia social é igual a efetividade. A outra é a eficácia jurídica.
Alguns autores, como Ingo Sarlet, sustentam que esse princípio está previsto no art. 5º, §1º, a CRFB.
PRINCÍPIO DA JUSTEZA (CONFORMIDADE)
Cada Poder deve agir conforme as funções que lhe foram distribuídas. O principal destinatário é o Tribunal Constitucional, qual seja, o Supremo.
Tem por finalidade não permiti que os órgãos encarregados da interpretação constitucional cheguem a um resultado que subverta ou perturbe o esquema organizatório funcional estabelecido pela Constituição.
PRICÍPIO DA PROPORCIONALIDADE OU DA RAZOABILIDADE
Não está expresso na CRFB. Há três posicionamentos acerca do onde esse princípio foi extraído:
1º) Posicionamento: Afirma-se que este princípio é extraído dos direitos fundamentais.
2º) Posicionamento: Entende que ele seria extraído do Princípio do Estado de Direito. Adotado pelos alemães.
3º) Posicionamento: Seria abstraído da cláusula do devido processo legal, em seu caráter substantivo. Posicionamento mais cobrado, adotado pela doutrina norte-americana e pelo STF.
Alexy afirma que a proporcionalidade é uma máxima que deve informar a atuação dos demais princípios (mesma idéia de postulado, regra de aplicação de outras regras). É formado por máximas parciais.
Subprincípios ou máximas parciais
a) Princípio da Adequação
Adequação entre meio e fim (mediada e resultado). O meio tem que ser apto para se alcançar o seu fim. Ex.: proibição de venda de bebida alcoólica nos estádios – é razoável; mas proibir a venda de bebidas alcoólica no carnaval para evitar a transmissão de doenças sexualmente transmissíveis não é adequada.
b) Princípio da Necessidade / Princípio da menor ingerência possível
Dentre os vários meios existentes, o Estado deve utilizar aquele que deve ser o menos gravoso possível.
“Não se deve matar pardais com canhões”
c) Princípio da proporcionalidade em sentido estrito
Ponderação entre os custos e benefícios de uma medida.
Para Alexy, corresponde a “lei da ponderação” – quanto maior a intervenção em um determinado direito, maiores hão de ser os motivos justificadores desta intervenção.
Proibição de Insuficiência
É o oposto da proibição d excesso. Tem por finalidade impedir que os poderes públicos adotem medidas insuficientes para proteger de forma adequada um determinado direito.
Ex.: alguns autores sustentam que o aborto deve ser criminalizado para a proteção ao direito à vida seja suficiente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário