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quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Lei penal no espaço

LEI PENAL NO ESPAÇO

         Sabendo que um fato punível pode, eventualmente, atingir os interesses de dois ou mais Estados igualmente soberanos, o estudo da lei penal no espaço visa a descobrir qual é o âmbito territorial (o espaço) de aplicação da lei penal brasileira, bem como de que forma o Brasil se relaciona com outros países em matéria penal.

1. PRINCÍPIOS

1.1  Princípio da territorialidade

            Aplica-se a lei do território do crime, sem importar a nacionalidade dos personagens.

1.2    Princípio da nacionalidade ativa

            Aplica-se a lei da nacionalidade do agente, sem importar o local do crime ou nacionalidade da vítima.

1.3    Princípio da nacionalidade passiva

            Aplica-se a lei da nacionalidade do agente apenas quando atingir o co-cidadão, não importa o lugar do crime.

1.4    Princípio da defesa ou real

            Aplica-se a lei da nacionalidade da vítima ou do bem jurídico atingido, não importa a nacionalidade do agente ou lugar do crime.





1.5 Princípio da justiça universal ou cosmopolita

            O agente fica sujeito à lei do país em que for encontrado, não importa a nacionalidade dos envolvidos ou o lugar do crime. São os crimes que o Brasil se obriga a reprimir.
Ex.: tráfico internacional de drogas

1.6 Princípio da representação ou subsidiariedade

            A lei penal nacional aplica-se aos crimes praticados em aeronaves e embarcações privadas, quando no estrangeiro e aí não sejam julgados (inércia).

Regra: Princípio da territorialidade
Art. 5º - Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional.
            O Brasil adotou a territorialidade relativa ou temperada (pela intraterritorialidade), em razão da expressão “sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional”.

*[1] (figura 1) São 3 situações:
1ª situação)
Local do crime: Brasil
Lei: Brasil
Princípio da territorialidade
Art. 5º CP

2ª situação)
Local do crime: outro país
Lei: Brasil
Princípio da extraterritorialidade
Art. 7º CP

3ª situação)
Local do crime: Brasil
Lei: estrangeira
Princípio da intraterritorialidade
Art. 5º CP
Ex.: imunidade diplomática.

            Território nacional é o espaço físico (geográfico) + espaço jurídico (por ficção):

Art. 5º CP
§ 1º - Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar.

            Primeiro, deve-se diferenciar embarcações públicas ou a serviço do governo e as privadas. No caso das primeiras, consideram-se extensão do território nacional onde quer que se encontrem. Ao contrário, se for privada, só será extensão do nosso território se ela está em alto-mar ou sobrevoa, no caso das aeronaves, o espaço aéreo correspondente.

Obs.: embaixada não é extensão do território que representa, apesar de ser inviolável.

            O art. 5º, §2º, implicitamente, respeita a mesma regra para os países estrangeiros. Então, o princípio da simetria, reciprocidade ou paralelismo foi respeitado.

Art. 5º
§ 2º - É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou em vôo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil.

Ex.: Uma brasileira, sabendo que um navio holandês estava ancorado após o mar territorial brasileiro, foi até ele, praticou aborto e depois retornou ao Brasil. Então, para efeitos penais, o crime aconteceu na Holanda (não é crime), motivo pelo qual ela não poderá ser presa.

Ex.: Uma embarcação brasileira privada afunda em alto-mar e, no meio dos destroços, um italiano mata um argentino. Nesse caso, aplica-se a lei brasileira, uma vez que os destroços continuam ostentando a sua bandeira.

Ex.: uma embarcação brasileira privada e uma italiana privada colidem em alto-mar. Dois sobreviventes constroem jangada com os destroços das duas. Após, o americano mata o argentino. Nesse caso, como o CP não resolve, na dúvida, aplica-se o princípio da nacionalidade ativa (lei americana).

Ex.:[2] uma embarcação pública colombiana atraca no porto brasileiro. Um dos marinheiros vai à terra brasileira e pratica o crime X. Deve-se analisar o seguinte:
- se desceu por razões profissionais, aplica-se a lei colombiana
- se desceu por motivos particulares, aplica-se a lei brasileira.

2. LUGAR DO CRIME     

            São três teorias:
a)Teoria da atividade

            Considera-se lugar do crime onde ocorreu a ação ou omissão, na importando onde se deu o resultado.


b)Teoria do resultado

            Onde ocorreu a consumação.

c) Teoria mista ou da ubiqüidade[3]

            Considera-se lugar do crime onde ocorreu a ação ou omissão, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. É a adotada pelo CP.

Art. 6º - Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado

            A cogitação e os atos preparatórios no território nacional não fazem do Brasil o lugar do crime. É imprescindível o início da execução.
Ex.: Navio privado sai de Portugal com destino à Argentina e, no momento que passa pelo Brasil, ocorre um homicídio.
            De acordo com o CP, crime cometido dentro do território nacional, a bordo de navio, que apenas passava pelo mar territorial brasileiro, aplica-se a lei nacional, uma vez que o crime tocou nosso território.
            Hoje, porém, em casos tais, aplica-se a denominada “PASSAGEM INOCENTE”, isto é, quando o navio passa pelo território nacional somente como passagem necessária para chegar ao seu destino, não se aplica a lei brasileira. Ressalte-se que o navio não atracou no Brasil.
            Apesar de o instituto ser aplicado aos navios, a doutrina brasileira estende às aeronaves.

Obs.: crimes à distância X crimes plurilocais
            O crime à distância ocorre quando um fato punível percorre dois ou mais estados soberanos, gerando um conflito internacional de jurisdição. A solução para o conflito é o art. 6º do CP (teoria da ubiquidade).
            Já o crime plurilocal ocorre quando um fato punível percorre territórios de um mesmo estado soberano, gerando um conflito interno de competência. A solução é dada, em regra, pelo art. 70 do CPP, o qual adotou a teoria do resultado. Uma exceção é na lei dos juizados especiais, em que o conflito é resolvido pela teoria da atividade.

3. EXTRATERITORIALIDADE

Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:        I - os crimes:
a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República; (princípio da defesa ou real)
b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público; (princípio da defesa ou real)
c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço; ([4] princípio da defesa ou real)
d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil;
II - os crimes: 
a)       que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir; (princípio da justiça universal)
b) praticados por brasileiro;  (princípio da nacionalidade ativa)
c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados. (princípio da representação)
§ 1º - Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro. (extraterritorialidade incondicionada)
§ 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições:  (extraterritorialidade condicionada) requisitos cumulativos
a)       entrar o agente no território nacional; (condição de procedibilidade)
b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; (condição objetiva de punibilidade)
c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; (condição objetiva de punibilidade)
d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; (condição objetiva de punibilidade)
e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. (condição objetiva de punibilidade)
§ 3º - A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior: (territorialidade hipercondicionada)
a)   não foi pedida ou foi negada a extradição;
b)   houve requisição do Ministro da Justiça

Art. 7º, I, d – São três correntes, de acordo com a ordem de preferência da doutrina moderna:
1ª corrente) princípio da justiça universal
2ª corrente) princípio da defesa ou real
3ª corrente) princípio da nacionalidade ativa. Está errada, uma vez que em nenhum momento ela se preocupa com o agente.

Art. 7º §3º - LFG e FMB entendem que se trata do princípio da nacionalidade passiva. Ocorre que o crime é cometido por estrangeiro contra brasileiro. Então, prevalece o princípio da defesa ou real.

Ex.: brasileira que cortou corpo na Suíça para simular agressões. Para que ela seja punida pela lei brasileira:
a) entrar o agente no território nacional
            A condição se preenche com o simples fato de “tocar” no território nacional, mesmo que só fique alguns segundos. Não é preciso permanecer.
            Essa condição possui natureza jurídica de condições de procedibilidade. Se o MP denuncia sem essa condição, o Juiz extingue sem analisar o mérito.

b) o fato deve ser punido também no país em que foi praticado
Ex.: brasileiro se casa mais de uma vez na África. Só para a lei brasileira praticou a bigamia. Então, não poderá ser punido pela lei brasileira, mesmo que volte para o Brasil.

c) estar o crime incluído entre os crimes que a lei brasileira autoriza a extradição.
            Essa regra serve como parâmetro. Em síntese, ocorrerá quando a pena for superior a um ano[5].

d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou ter aí cumprido a pena

e) não pode ter sido perdoado no estrangeiro ou ter declarado extinta a sua punibilidade

Obs.: as quatro últimas alíneas (b, c, d, e) são condições objetivas de punibilidade. Então, o juiz analisa o mérito, mas não pode condenar. Gera, portanto, absolvição.

Ex.: ladrão tenta assaltar Presidente na Suíça, e o mata. Não se aplica o inciso I, a, uma vez que foi vítima de latrocínio. Aplica-se, na verdade, o §3º (crime cometido por estrangeiro contra brasileiro).

Ex.: Nos Estados Unidos, brasileiro mata americana. Ele foge e entra no Brasil. (extraterritorialidade condicionada).
Qual justiça irá julgá-lo no Brasil?

 
 


            Em regra, será julgado na justiça estadual. Somente será julgado na federal se presentes os requisitos do art. 109 CRFB[6]. Será competente no Brasil a capital do estado que ele mora ou morou (art. 88 CPP).

Art. 8º - A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas
           
            Quando as penas são idênticas, a lei autoriza que a pena estrangeira seja computada no Brasil. Se forem diversas, atenua a pena no Brasil. Ex.: pena de multa na Argentina e de 1 ano no Brasil – o Juiz irá atenuar a pena de 1 ano no Brasil, em razão da pena de multa.
            Para Assis Toledo, o art. 8º evita o bis in idem. Contudo, o art. 8º, na verdade, atenua o bis in idem.


[1] MP-MA
[2] Caiu em concurso
[3] 1ª fase da magistratura
[4] 1ª fase do MPF
[5] Caiu no MP
[6] Informativo 402 STJ (agosto 2009).

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